Chuck Lorre leva o humor a sério. Talvez você não o conheça pelo nome, mas com certeza conhece seu trabalho. Lorre é criador de alguns dos maiores sucessos da TV, talvez o maior gênio de comédias em atividade.
Guitarrista sem sucesso financeiro até os nos anos 90, ele estava tentando ganhar a vida vendendo rádios de porta em porta quando deu de cara com um executivo de um estúdio de animação que lhe ofereceu um emprego como roteirista de comédia. Alguns anos e vários empregos depois, Lorre alcançou o sucesso e, em seguida, o estrelato absoluto produzindo, na seqüência (e, por um tempo, simultaneamente), dois dos mais estrondosos sucessos de público e crítica da história da TV: “Two and a Half Man” e “The Big Bang Theory”.
Mestre em fazer rir se utilizando de diálogos, situações cotidianas e, acima de tudo, relações entre personagens, suas obras trazem em suas estruturas algo de subversivo.
Você já parou pra pensar porque os programas dele fazem tanto sucesso?
“Não acredito que o enredo seja um fator determinante em tudo o que faço. Eu acho que o personagem é o principal ativo.” Chuck Lorre
Seus principais sucessos tem um grande senso de ritmo, tocado por uma metralhadora de humor embasada pela relação entre personagens. Dizem que para um bom sitcom (que vem das palavras “situação”+”comédia”= sitcom), são necessárias ao menos duas grandes piadas por página, mas Lorre subiu o sarrafo a um novo patamar.
Mas por trás do grande piadista há um cara sensível, atento às questões relacionadas ao amadurecimento, amizade, solidão, relações humanas e conhecedor de todo tipo de neuras e síndromes.
Já parou pra pensar que “Two and Half Man” tem (teve, nas temporadas com Charlie Sheen, incomparavelmente as melhores) como personagem principal um misógino bêbado, bon-vivant e egoísta, que vive maltratando mulheres? E como tanto suas neuras como as do irmão fracassado são advindas do relacionamento que ambos tem com a mãe? Este mega sucesso mundial também tem como centro do arco narrativo o amadurecimento e o companheirismo entre os irmãos Charlie e Alan, e também do garoto Jake, sempre rodeados pelas mulheres que se arriscam a fazer parte da vida dos dois marmanjos. Se Charlie é um misógino agressivo, Alan é um quiroprata fracassado, quebrado financeiramente mas de bom coração, que vive às turras com a ex mulher que adora humilhá-lo e à sombra do irmão e da mãe.
O fato é que nas comédias de Lorre, os traços mais neuróticos dos personagens criam premissas tão fortes que são elas que sustentam o ritmo e a força das piadas de todos os episódios. Veja o que Lorre diz:
“De acordo com as regras da comédia, seu sofrimento será engraçado após um período indeterminado de tempo. Talvez não enquanto você está com sua perna gangrenada serrada, vendo sua casa queimar ou aprendendo a ter intimidade com seu companheiro de cela, mas, no grande esquema das coisas, em breve.”
Não existe o gênero “Terror Psicológico”? Poderia se classificar o material de Lorre como “Comédia Psicológica”.
BIG BANG THEORY: PRATICAMENTE UM GUIA DE SÍNDROMES
Nas palavras do próprio Lorre, “The Big bang Theory era um show sobre pessoas que não se encaixavam, outsiders “nerds” querendo participar da vida normal”. Uma definição sintética e objetiva. Dentro do esquema “estúdio, platéia e quatro câmeras”, ele cria e desenrola situações quase 100% calcadas na psicologia dos personagens e suas relações entre si, potencializando ainda mais a fórmula vitoriosa de Two and a half Man. Quer ver só?
SHELDON COOPER, o personagem principal, possui QI de 187 e vários sintomas da chamada Síndrome de Asperger, como problemas de interação pessoal, o que explicaria sua deficiência em entender sarcasmo, os comentários ofensivos que ele realiza sem intenção, linguagem peculiar, além de um comportamento socialmente impróprio em algumas situações. Também dá declarações racistas e altamente preconceituosas por conta de sua auto proclamada genialidade.
Ele também tem TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), que ocasiona pensamentos repetidos, impulsos ou imagens mentais que causam ansiedade. Os sintomas incluem medo de germes ou contaminação, preocupação excessiva com limpeza, manias (como a de sentar sempre no mesmo lugar), ter coisas simétricas ou em uma ordem perfeita e pensamentos agressivos em relação aos outros ou a si próprio.
Além disso, é revelado que Sheldon tem uma condição neurológica chamada Sinestesia. Para ele, os números primos são vermelhos, números primos gêmeos são rosa e têm cheiro de gasolina, e fudgsicle (um tipo de sorvete de chocolate), tem sabor da velocidade da luz.
E ele está longe de ser o único.
RAJESH KOOTHRAPPALI, outro dos personagens principais, também sofre de uma patologia conhecida como Mutismo Seletivo, que o impede de falar com mulheres. Sempre que uma mulher esta presente, Raj não consegue falar em voz alta, tendo que falar ao ouvido de HOWARD WOLOWITZ, seu melhor amigo, que por sua vez é uma pessoa imatura emocionalmente, e altamente dependente da mãe, que sofre de Síndrome da mãe superprotetora.
Outro que tem problemas com a mãe é LEONARD HOFSTADTER, que sofre com a Síndrome de Genitora Tóxica, que faz com que ele seja fortemente rejeitado pela mãe. Além disso, ele é míope, tem intolerância a lactose e várias alergias.
Para fechar, apenas entre os personagens principais, tem também a PENNY, uma garçonete meiga com altos problemas familiares (como o irmão presidiário) e também de alcoolismo.
E STUART, personagem secundário dono da loja de quadrinhos que merece menção honrosa por viver um eterno quadro de DEPRESSÃO.
Tanta pesquisa e esmero para criar personagens interessantes resultou em 279 episódios engraçadíssimos, o que fez de The Big Bang Theory a série de comédia no estilo sitcom mais longa da história da televisão nos Estados Unidos e um dos maiores sucessos mundiais da TV.
Como se vê, nem sempre as melhores características criam os melhores personagens. Na verdade, está mais para o contrário.
UM PROJETO DIFERENTE: O MÉTODO KOMINSKY
A habilidade e a sensibilidade de Lorre também estão presentes no excelente “O Método Kominsky”, sobre um idoso professor de interpretação chamado Sandy (interpretado por Michael Douglas) e seu amigo, o divertido agente Norman (Alan Arkin), que perdeu há pouco tempo a esposa Eileen (Susan Sullivan).
Sua estética cinematográfica - sem audiência de estúdio, sem intervalos comerciais - ofereceu a Lorre uma nova experiência há muito esperada, mais refinada em termos narrativos e de interpretação, que acabou rendendo um Globo de Ouro de melhor série de comédia. É o ápice de um grande escritor, na companhia de dois dos melhores atores do mundo: Michael Douglas e Alan Arkin.
Mesmo mudando o foco do tema para a chegada da tão temida velhice, estão lá suas principais características de amparar nas neuras dos personagens a evolução das narrativas.
Para Lorre, a trama importa menos. Também, com personagens tão loucos e interessantes nem precisa muito.
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Até lá!
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