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Foto do escritorBeto Sporkens

Mulheres de Margaret Atwood

Atualizado: 6 de jan. de 2020


Grandes Livros para assistir no Streaming: Margaret Atwood

Minha consciência me impele a começar este post com um conselho manjado: LEIA LIVROS! Mas, quando necessário, não despreze o poder sintetizador do audiovisual para ganhar tempo e conforto na absorção de produtos culturais indispensáveis.

Hitchcock costumava dizer que eram os livros ruins que originavam filmes bons. O mestre tinha sua parcela de razão, principalmente se levarmos em conta a época em que disse isso e suas próprias experiências como um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos, criando verdadeiras obras primas extraídas de livros medíocres.

O fato é que livros são peças narrativas baseadas na beleza e no envolvimento causado pela escrita, enquanto filmes são experiências sensoriais imersivas geralmente baseadas na ambientação e na empatia com as personagens e a ação. Mas com o passar das décadas o cinema evoluiu tecnicamente, artisticamente, e passou o poder capturar com mais precisão (sempre com a ajuda de grandes diretores) a essência de grandes livros.

Os livros, por outro lado, passaram absorver também a influência da sétima arte em suas narrativas, dando origem até a livros que, com certeza, foram feitos pensando em futuramente virarem filmes.

Mas e quando bons livros, adaptados fielmente, viram também bons filmes? Bem, aí a mágica acontece... e por vezes temos a chance de conhecer o reflexo das mais complexas realidades na obra de autores reincidentes em temas importantes. Este é o caso de Margaret Atwood, uma escritora que aborda como ninguém o embate entre Poder Conservador x Mulheres.

Nascida em Ottawa em 1939 , ela atua como romancista, poetisa, contista, ensaísta e crítica literária, sendo reconhecida com inúmeros prêmios literários internacionais importantes. Atwood é um dos melhores exemplos de como grandes livros podem originar grandes filmes (ou, no caso, grandes SÉRIES) sem perder apelo perante a maioria do público e mantendo intactas suas qualidades artísticas. Perspicaz observadora da condição da mulher na sociedade, a autora tem traçado um caminho que, graças a este novo panorama trazido pelos gigantes do Streaming, está chegando a um público que, infelizmente (me incluo nestes), lê muito menos do que deveria.

Suas obras transbordam profundidade, poesia e crítica social sem cair no lugar fácil do mero ativismo, mesmo em favor de uma causa tão importante como o embate entre Poder Conservador x Mulheres. Não é pouco.


ATWOOD E O FEMINISMO


Atwood, que se envolveu no diálogo intelectual feminino no Victoria College, na Universidade de Toronto, freqüentemente retrata personagens femininas dominadas pelo patriarcado em seus romances e acredita que o rótulo feminista só pode ser aplicado a escritores que conscientemente trabalham na moldura do movimento feminista. Em entrevista, Atwood já disse ficar na ponta dos dois extremos. Ela acredita que mulheres não devem ser vistas como inferiores aos homens, mas também não merecem ser vistas com preconceito por escolher ter filhos e um marido. Mesmo suas personagens tem matizes que não ficam só no branco e preto, no oito e no oitenta. Como artista extremamente inteligente que é, ela refuta rótulos e ideologias extremas de sinais trocados. Seu posicionamento durante o movimento #Me Too a colocou, inclusive, na mira das feministas mais radicais.


AS MELHORES ADAPTAÇÕES


Dois de seus principais livros deram origem a duas excelentes séries, que estão disponíveis em canais de streaming:

O CONTO DA AIA (The Handmaid´s Tale), escrito em 1985 e produzido em 2017, disponível no Hulu (serviço que ainda não estreou no Brasil) e Globoplay

e

ALIAS GRACE (Alias Grace), baseado numa história real, que virou romance homônimo em 1996, adaptado por Sarah Polley em 2017, transmitida pela CBC Television no Canadá e distribuída mundialmente pela Netflix.


PORQUE SÃO IMPORTANTES


Em primeiro lugar porque são o que devem ser: obras de arte impactantes e extremamente bem elaboradas que nos envolvem e suas narrativas e nos colocam a pensar sobre a sociedade em que vivemos. Eu iniciei meu contato primeiro através de “O Conto da Aia”. Embora não tenha me fisgado de cara, bastaram uns 3 episódios para entender que estava diante, provavelmente, da série mais relevante que havia visto nos últimos anos.

Ambientada numa distopia, a série se situa num futuro próximo, depois que um atentado terrorista tira a vida do presidente dos Estados Unidos e de grande parte dos outros políticos eleitos; e uma facção católica toma o poder com o intuito de restaurar a paz. Parece a estória dos “mocinhos” da estória, mas não é. Gileade, uma sociedade totalitária que foi anteriormente parte dos Estados Unidos, enfrenta desastres ambientais e uma taxa de natalidade em queda, e é governada por um fundamentalismo religioso que trata as mulheres como propriedade do estado. Como uma das poucas mulheres férteis restantes, Offred (Elisabeth Moss) é uma serva na casa do “Comandante”(Joseph Fienes) e de sua esposa, Serena (Yvonne Strahovski) sendo uma das castas de mulheres forçadas também à servidão sexual como uma última tentativa desesperada para repovoar um mundo devastado e gerar filhos para as “castas superiores” da sociedade.

Abordar esse “futuro do pretérito” é a primeira grande sacada da autora. A abordagem de um fundamentalismo que nos parecia ausente (ao menos no Ocidente) do mundo durou até a invertida dos atentados de 11 de Setembro, que trouxe à nossa vista o tratamento fundamentalista islâmico dado às mulheres de alguns (muitos?) países do Oriente Médio. Mas, atenta, Atwood inverte o sinal e usa, sem dó nem piedade, uma facção católica e o cenário político (pretensamente democrático?) como pano de fundo para demonstrar que alguns absurdos podem não estar tão longe quanto parecem.

Mais de 30 anos após o lançamento do livro, hoje a ideia ganha um tom ainda mais carregado com o saudosismo de extrema direita que tomou conta de boa parte do ocidente. E que foi coroado com as eleições de políticos que, entre outras coisas, exaltam uma volta ao passado, com a reescrita de fatos históricos já estabelecidos, o ataque contra a igualdade de gênero e raça e o embate da literalidade religiosa contra a ciência. Além de funcionar muito bem visualmente, trazendo á tela de imediato o conflito entre o poder conservador e as mulheres, tão presente em suas obras.

Sob o impacto das brilhantes 2 primeiras temporadas de “O Conto da Aia” cheguei a “Alias Grace”. À primeira vista, a abordagem pode parecer próxima. Mas neste caso a complexidade dos personagens (em muito menor número) e o gênero “Drama Criminal” embaralham ainda mais as nossas expectativas.

Baseada num caso real ocorrido em 1843, conta a história de Grace Marks (Sarah Gadon), uma jovem irlandesa pobre e abusada pelo pai, que decide tentar a vida no Canadá. Contratada para trabalhar como empregada doméstica na casa do fazendeiro Thomas Kinnear (Paul Gross), ela é condenada à prisão perpétua pelo assassinato brutal do patrão e da governanta da casa, Nancy Montgomery (Anna Paquin). Passados 16 anos desde o encarceramento da imigrante, o Dr. Simon Jordan (Edward Holcroft) se apaixona por Grace e fará de tudo para descobrir a verdade sobre o caso.

Para evitar spoilers melhor não dar detalhes da evolução da estória. Mas as observações de Atwood sobre a sistemática social de repressão à mulher, especialmente das classes menos favorecidas, estão todas lá, embora neste caso servindo a um propósito narrativo diferente e surpreendente. E, claro, neste caso a estória se passa ao final do século 19. A narrativa e os diálogos são envolventes, e a direção (da atriz Sarah Polley) é precisa em direcionar nosso olhar nos tempos certos, sem revelar demais e sem entregar as surpresas.

A trama guarda reviravoltas e pode confundir quem já chega, como eu, ciente dos principais temas explorados pela autora. Bom sinal, embora deixe a impressão de que a diretora da série pesou um pouco mais a mão na conclusão final. Mas continuam claros os grandes méritos da escritora em sempre evitar estórias previsíveis ou direcionadas. Quando estamos falando de Margaret Atwood os personagens e a estória sempre serão ainda mais interessantes e imprevisíveis que as discussões que eles despertam.

SERVIÇO

O CONTO DA AIA (The Handmaid´s Tale, escrito em 1985 e produzido em 2017), disponível no Hulu (serviço que ainda não estreou no Brasil) e Globoplay

Depois que um atentado terrorista tira a vida do presidente dos Estados Unidos e de grande parte dos outros políticos eleitos, uma facção católica toma o poder com o intuito de restaurar a paz.

Primeiro episódio: 26 de abril de 2017

ALIAS GRACE (Alias Grace), disponível na Netflix.

Alias Grace é uma minissérie de televisão canadiano-americana dirigida por Mary Harron e estrelada por Sarah Gadon. É baseada no romance homônimo de 1996 de Margaret Atwood e adaptado por Sarah Polley. Ela será transmitida pela CBC Television no Canadá. A distribuição mundial será feita pela Netflix. (Wikipédia)



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